INTRODUÇÃO
A Globalização caracteriza-se por um conjunto de transformações na ordem política e econômica mundial que vem ocorrendo nas últimas décadas. O ponto central da mudança é a integração dos mercados numa “aldeia-global”, explorada pelas grandes corporações internacionais. Os Estados abandonam gradativamente as barreiras tarifárias para proteger sua produção da concorrência dos produtos estrangeiros e abrem-se ao comércio e ao capital internacional. Esta expansão dos fluxos de informações que atingem todos os países tem afetado empresas, indivíduos e movimentos sociais, pela aceleração das transições econômicas, envolvendo mercadorias, capitais e aplicações financeiras. As fontes de informação se uniformizam devido ao alcance mundial à crescente popularização dos canais de televisão por assinatura e da Internet. Isso faz com que os desdobramentos da globalização ultrapassem os limites da economia e começem a provocar uma certa homogeneização cultural entre os países. Além das transformações políticas, sociais e econômicas, a globalização tem repercussões na constituição da subjetividade humana. Um mal-estar geral e uma corrosiva desesperança existencial espalham-se pelo mundo global e faz-nos repensar e reavaliar as bases fundamentais do tipo de sociedade que desejamos. Considerando o atual contexto histórico, vivenciado pelo o homem pós-moderno, o presente trabalho visa analisar as repercussões subjetivas causadas pelas tecnologias de informação e comunicação e a conseqüente minimização da vida privada.
BARBOSA (2003) afirma que o conceito de globalização surgiu na década de 1980, nas escolas de administração dos Estados Unidos para posteriormente se propagar pelo mundo. Este conceito relacionava-se às estratégias das empresas que procuravam expandir as suas atividades, ultrapassando as fronteiras nacionais. Nos anos de 1990, o conceito amplia-se da expansão dos negócios para atingir todos os domínios da vida humana. Pode-se dizer que a internacionalização do comércio e a aproximação das culturas é um fenômeno recente datando dos últimos cinco séculos. A globalização pode ser caracterizada em períodos, como citado a seguir: Períodos da Globalização Data Período Caracterização 1450-1850 Primeira fase Expansionismo mercantilista 1850-1950 Segunda fase Industrial-imperialista-colonialista pós-1989 Globalização recente Cibernética, tecnológica, associativa
A PRIMEIRA FASE DA GLOBALIZAÇÃO (1450-1850)
Esta primeira globalização, resultado da procura de uma rota marítima para as Índias, assegurou o estabelecimento das primeiras feitorias comerciais européias na Índia, China e Japão, e, principalmente, abriu aos conquistadores europeus as terras do Novo Mundo. Nesta fase, estrutura-se um sólido comércio triangular, entre a Europa fornecedora de manufaturas), África (que vende seus escravos) e América (que exporta produtos coloniais). A imensa expansão deste mercado favorece os artesãos e os industriais emergentes da Europa que passam a contar com consumidores num raio bem mais vasto do que aquele abrigado nas suas cidades, enquanto que a importação de produtos coloniais faz ampliar as relações intereuropéias. Politicamente, a primeira fase da globalização se fez quase toda ela sob a égide das monarquias absolutistas que concentram enorme poder e mobilizam os recursos econômicos, militares e burocráticos, para manterem e expandirem seus impérios coloniais. Os principais desafios que enfrentam advinham das rivalidades entre elas, seja pelas disputas dinástico-territoriais ou pela posse de novas colônias no além mar, sem esquecer-se do enorme estragos que os corsários e piratas faziam, especialmente nos séculos XVI e XVII, contra os navios carregados de ouro e prata e produtos coloniais.
A doutrina econômica desta primeira fase foi o mercantilismo, adotado pela maioria das monarquias européias para estimular o desenvolvimento da economia dos reinos. Ele compreendia numa complexa legislação que recorria a medidas protecionistas, incentivos fiscais e doação de monopólios, para promover a prosperidade geral. A produção e distribuição do comércio internacional era feita por mercadores privados e por grandes companhias comerciais (as Cias. inglesas e holandesas das Índias Orientais e Ocidentais) e, em geral, eram controladas localmente por corporações de ofício. Todo o universo econômico destinava-se a um só fim, entesourar, acumular riqueza. Os principais acontecimentos que marcam a transição da primeira fase da globalização para a segunda dão-se nos campos da técnica e da política. Apartir do Século XVIII, a Inglaterra industrializa-se aceleradamente e, depois dela, a França, a Bélgica, a Alemanha e a Itália. A máquina a vapor é introduzida nos transportes terrestres (estradas-de-ferro) e marítimos (barcos a vapor). Conseqüentemente esta nova época será regida pelos interesses da indústria e das finanças, sua associada e, por vezes amplamente dominante, e não mais das motivações dinásticas-mercantís. Será a grande burguesia industrial e bancária, e não mais os administradores das corporações mercantis e os funcionários reais quem liderará o processo. A doutrina econômica em que se baseia é a do capitalismo laissez-faire, um liberalismo radical inspirado nos fisiocratas franceses e apoiado pelos economistas ingleses Adam Smith e David Ricardo que advogavam a superação do Mercantilismo com suas políticas arcaicas.
No campo da política a revolução americana de 1776 e a francesa de 1789, irão liberar enorme energia fazendo com que a busca da realização pessoal termine por promover uma grande ascensão social das massas. Logo depois, como resultado das Guerras Napoleônicas e da generalizada abolição da servidão e outros impedimentos feudais, milhões de europeus (calcula-se em 60 milhões num século) abandonam seus lares nacionais e emigram em massa para os Estados Unidos, Canadá, e para a América do Sul (Brasil, Argentina, Chile e Uruguai).
Outros aspectos técnicos ajudam a globalização: o trem e o barco a vapor encurtam as distâncias, o telégrafo e, em seguida, o telefone, aproximam os continentes e os interesses ainda mais. E, principalmente depois do vôotransatlântico de Charles Lindbergh em 1927, a aviação passa a ser mais umelemento que permite o mundo tornar-se menor. Nestes cem anos da segunda fase da globalização (1850-1950) os antigos impérios dinásticos desabaram (o dos Bourbons em 1789 e, definitivamente, em 1830, o dos Habsburgos e dos Hohenzollers em 1914, o dos Romanov em 1917). Das diversas potências que existiam em 1914 (O Império britânico, o francês, o alemão, o austro-húngaro, o italiano, o russo e o turco otomano) só restam depois da 2ª Guerra, as superpotências: os Estados Unidos e a União Soviética. Feridas pelas guerras as metrópoles deram para desabar, obrigando-se a aceitar a libertação dos povos coloniais que formaram novas nações. Mesmo assim, umas independentes e outras neocolonizadas, continuaram ligadas ao sistema internacional. Somam-se, no pós-1945, os países do Terceiro Mundo recém independente (a Índia é a primeira a obtê-la em 1947) às naçõeslatino-americanas que conseguiram sua autonomia política entre 1810-25, aindano final da primeira fase da globalização. No entanto nem a descolonização nemas revoluções comunistas, a da Rússia de 1917 e a da China de 1949, servirão deentrave para que a mais longo prazo o processo de globalização seja retomado. No decorrer do século XX três grandes projetos de liderança da globalização conflitaram-se entre si: o comunista, inaugurado com a Revolução bolchevique de 1917 e reforçado pela revolução maoísta na China em 1949; o da contra-revolução nazi-fascista que, em grande parte, foi uma poderosa reação direitista ao projeto comunista, surgido nos anos de 1919, na Itália e na Alemanha,estendendo ao Japão, que foi esmagado no final da Segunda Guerra Mundial, em1945; e, finalmente, o projeto liberal-capitalista liderado pelos paísesanglo-saxãos, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Num primeiro momento ocorreu a aliança entre o liberalismo e o comunismo (em 1941-45) para a autodefesa e, depois, a destruição do nazi-fascismo. Num segundo momento os vencedores, os EUA e a URSS, se desentenderam gerando a guerra fria (1947-1989), onde o liberalismo norte-americano rivalizou-se com o comunismo soviético numa guerra ideológica mundial e numa competição armamentista e tecnológica que quase levou a humanidade a uma catástrofe (a crise dos mísseis de 1962). Com a política da glasnost, adotada por Mikhail Gorbatchov na URSS desde 1986, a guerra fria encerrou-se e os Estados Unidos proclamaram-se vencedores. O momento símbolo disto foi a derrubada do Muro de Berlim ocorrida em novembro de 1989, acompanhada da retirada das tropas soviéticas da Alemanha reunificada e seguida da dissolução da URSS em 1991. A China comunista, por sua vez, que desde os anos 70 adotara as reformas visando sua modernização, abriu-se em várias zonas especiais para a implantação de indústrias multinacionais. A política de Deng Xiaoping de conciliar o investimento capitalista com monopólio do poder do partido comunista esvaziou o regime do seu conteúdoideológico anterior. Desde então só restou hegemônica no moderno sistemamundial a economia-mundo capitalista, não havendo nenhuma outra barreira aantepor-se à globalização. Chegamos desta forma a situação presente onde sobreviveu uma só superpotência mundial: os Estados Unidos. É a única que tem condições operacionais de realizar intervenções militares em qualquer canto do planeta (Kuwait em 1991, Haiti em 1994, Somália em 1996, Bósnia em 1997, etc.). Enquanto na segunda fase da globalização vivia-se na esfera da libra esterlina, agora é a era do dólar, enquanto que o idioma inglês tornou-se a língua universal por excelência. Pode-se até afirmar que a globalização recente nada mais é do que a americanização do mundo.
REPERCUSSÕES PARA A SUBJETIVIDADE
BARBOSA (2003) afirma que a globalização não quer dizer uniformidade ou homogeneização das condições econômicas. Identificam-se duas interpretações bastante difundidas da globalização. Para alguns autores ela é vista como um fenômeno revolucionário, uma ruptura com relação ao passado, enquanto que para outros é encarada como uma continuação da história de expansão de mercados. Entende-se que a globalização como um processo revolucionário que se desenvolve de forma lenta e progressiva, com saltos qualitativos em determinados momentos até atingir a etapa de ampliação das fronteiras do capitalismo para virtualmente todas as áreas geográficas.
A globalização é marcada pela expansão dos fluxos de informações que atingem todos os países. No entanto, ela não afeta todos os países do mesmo modo, nem se manifesta com a mesma velocidade nas várias dimensões da vida coletiva.
As transformações sociais, decorrentes da expansão descontrolada da dimensão econômica - como desemprego, a informalidade, a redução da importância dos movimentos sindicais e a privatização do Estado – podem ser encontradas em vários países. No âmbito cultural, existe uma indústria cultural de caráter global que envolve a mídia televisiva, jornalística, a produção cinematográfica e as mega-gravadoras de música. Ainda assim a consolidação de uma arena global de interação que transcende os vários países não elimina a diversidade dos sistemas políticos e culturais existentes nem a natureza particular da pobreza e do desemprego, com marcadas diferenças entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos. O atual processo de globalização tem sido visto e analisado como algo exclusivamente positivo, ou então, exclusivamente, negativo. Os apologistas defendem este processo como um novo tempo e espaço que abre possibilidades para realização dos indivíduos através de um progresso social e econômico positivos (com melhores padrões de vida), da inovação tecnológica (maior facilidade de locomoção, de contato com o mundo, de ganho de tempo, de acesso à informação) e da liberdade cultural. Considerando-se as influências positivas oriundas da globalização, observa-se no setor
comercial, o crescimento rápido do volume total de produtos fabricados mundialmente (maior número de importações e exportações) indicando a abertura das economias e a perda de importância dos mercados internos como fonte de escoamento de produção local. O aumento das importações contribui para uma maior universalização dos padrões de consumo e das novas tecnologias.
No setor tecnológico, fala-se de uma terceira revolução industrial. A primeira trouxe consigo a máquina a vapor, a segunda a eletricidade. Esta terceira revolução traz consigo a informática, as telecomunicações e a biotecnologia e também
a revolução pela capacidade de produção de novos conhecimentos e pelo desenvolvimento de novos processos tecnológicos.
A Internet, os computadores portáteis, a introdução de satélites e cabos de fibra óptica, o mapeamento genético, todas estas novas tecnologias vão constituindo um sistema integrado que afetam de várias formas as sociedades e culturas nacionais. Apesar destes avanços tecnológicos resultantes desta nova ordem política-econômica, outros fenômenos interferem substancialmente na constituição da subjetividade humana. DUPAS (2005) aponta para a formação de uma nova estrutura de castas – os incluídos e os excluídos - imposta pela visão tecnocrática e funcional sobre as orientações políticas e econômicas. Também aponta para o fato de que a informática tenta substituir a capacidade de julgamento humano e a nova linguagem universal é a impaciência e o arbítrio. O novo modo de regulação social passa a ser a produção de informação e não a de significados comuns partilhados com a sociedade. Assim constata-se uma crise que se instala, pois os indivíduos são expostos à velocidade e à diversidade de informações produzidas, sem ao menos as submeterem à uma análise crítica. Neste contexto, a informação passa a ser uma mercadoria e sob estas condições oferece uma ambigüidade onde neutralidade e sensacionalismo, estão presentes. A sociedade do consumo repercute na subjetividade humana, pois os indivíduos passam a “ter” a necessidade cada vez mais crescente de se beneficiarem destas tecnologias. BRUNO (2004) diz que as novas tecnologias de comunicação e de informação, tais como: os circuitos internos de TV, as câmeras colocadas sobre os espaços públicos e privados; os chips, os bancos de dados eletrônicos e programas computacionais de coleta e processamento de informação no ciberespaço e os recentes fenômenos dos weblogs e webcams na Internet constituem um novo campo de visibilidade para o indivíduo comum. De acordo com BRUNO (2004), este novo campo de visibilidade comporta duas características relevantes: a vigilância e a exposição da vida íntima e privada. Câmeras de circuito interno, chips informáticos e bancos de dados eletrônicos vêm sendo descritos, como peças de um aparato global de vigilância, uma espécie de superpanóptico, que não mais se restringe aos espaços fechados das instituições mas, se estende tanto sobre dimensões alargadas do espaço físico quanto sobre o ciberespaço, ampliando enormemente o número de indivíduos sujeitos à vigilância e à capacidade de coleta, processamento e uso de informações. BRUNO (2004) apud (Lemos, 2002; Sibilia, 2003; Mcneil, 2003; Garza, 2002; Zuern, 2003) diz que webcams e weblogs, por sua vez, têm sido explorados como novas formas de exposição de si que abalam as fronteiras entre público e privado ao encenarem no âmbito público da Internet práticas antes restritas à vida íntima (imagens do espaço privado cotidiano e escrita de diários íntimos). A minimização da vida privada consiste na exteriorização da vida pessoal através das tecnologias e ambientes virtuais e que por sua vez, adquirem caráter confessional. Trata-se da exteriorização de uma subjetividade constituída para a exposição pública, que revela-se no ato de projetar e de se fazer visível a olhar do outro. Neste contexto, a subjetividade emerge da coexistência e a mistura de códigos e de mundos, da pluralidade de identidades sociais que não podem ser explicadas através de discursos unificadores e universais. Constata-se uma subjetividade fragmentada e superficial. Novos conflitos psicológicos e novos comportamentos surgem, tais como: o isolamento social; a depressão; as angústias; os conflitos entre o prazer gerado pela vida on-line e a emergência de novas formas de defesa da intimidade e os conflitos entre o real e o virtual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O atual paradigma tecno-econômico que enfatiza a produtividade, e que introduz novas tecnologias no contexto sócio-histórico, repercute visivelmente na constituição da subjetividade. A globalização, como um fenômeno múltiplo, pode levar a caminhos bem diversos, nos quais podemos encontrar, desde um apelo ao universalismo cultural até diversos tipos de resistência a esse processo. Neste contexto, a intensidade e rapidez dos fluxos de informações, garantidas pelo avançado desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação, e que desempenham papel fundamental na revelação da existência de múltiplas culturas, levam sujeitos a se depararem com a pluralidade culturais e identitárias. O advento destas tecnologias, principalmente, da Internet fez surgir novos comportamentos, novos conflitos internos, novas formas de relacionamento, novos sentimentos, ou seja uma transformação na subjetividade, que passou a ser fragmentada. Logo, a minimização da vida privada é dos muitos fenômenos resultantes da pós-modernidade. É preciso rever, criticamente o processo global e suas manifestações, para que novos caminhos práticos, teóricos e institucionais sejam construídos a fim de que minimizem esta crise mundial sob seus aspectos sócio-político e econômico, bem como, repensar a constituição desta nova subjetividade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, ALEXANDRE DE FREITAS. O mundo globalizado: política, sociedade e economia – Antecedentes históricos, as esferas da globalização econômica, globalizadores e globalizados. Editora Contexto, São Paulo, 2003.
BRUNO, FERNANDA. Máquinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas tecnologias de informação e de comunicação. Revista FAMECOS. Porto Alegre, nº 24, julho 2004, quadrimestral pg. 110 a 124.
DUPAS, GILBERTO. Tensões contemporâneas entre o público e privado. Cadernos de Pesuisa, v. 35, n. 124, p. 33-42, jan/abr; 2005.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Telefone celular e espaço pessoal – Luiz de C. Duarte e Colaboradores – Textos do laboratório de psicologia ambiental, 2002 – no. 02
Revoluções tecnológicas e transformações subjetivas - Ana M. Nicolaci-da-Costa – Psicologia: Teoria e Pesquisa, Mai–Ago 2002, vol. 18 n. 2 pp. 193-202
“tudo o que tenho de fixo na vida é meu celular” – os celulares como ancora da identidade dos jovens nômades urbanos - Ana M. Nicolaci-da-Costa – A questão social no novo milênio – 2004 Informação e Privacidade – Ana Amélia Menna Barreto de Castro Ferreira – Gazeta Mercantil, outubro, 2001.
SITES CONSULTADOS
Invasão de privacidade consentida? – José Paulo de Araújo – Projeto comunicar – disponível no site:
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