1. Definições e classificações
Os transtornos de preferência sexual ou parafilias são caracterizados por
impulsos sexuais intensos e recorrentes, fantasias sexuais específicas
repetitivas e persistentes, exclusivamente em resposta a objetos ou situações
incomuns, ou seja, preferência por parceiro sexual que não seja humano, adulto
e vivo e cuja finalidade não seja excitação sexual ou procriação.1
De acordo com
a 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10)2, estes transtornos podem ser assim
classificados:
F65
Transtorno de Preferência Sexual
|
F65.0
Fetichismo
|
F65.1
Travestismo Fetichista
Fetichismo com Travestismo
|
F65.2
Exibicionismo
|
F65.3
Voyeurismo
|
F65.4
Pedofilia
|
F65.5
Sadomasoquismo
Masoquismo
Sadismo
|
F65.6 Transtornos Múltiplos de Preferência Sexual
(Fetichismo, Travestismo e Sadomasoquismo)
|
F65.8
Outros Transtornos da Preferência Sexual
|
F65.9
Transtorno da Preferência Sexual, não especificado
Desvio Sexual sem outra especificação
|
No
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª edição, texto
revisado (DSM-IV-TR)3, estes transtornos estão assim classificados:
Parafilias
|
302.4 Exibicionismo
|
302.81
Fetichismo
|
302.89 Frotteurismo
|
302.2 Pedofilia
|
302.83 Masoquismo
Sexual
|
302.84 Sadismo
Sexual
|
302.3 Travestismo
Fetichista
|
302.82 Voyeurismo
|
302.9
Parafilia sem outra especificação
|
No
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-V), ocorreram
algumas mudanças de nomenclaturas para estes transtornos, conforme apresentado
por Zucher4: Distúrbio Voyeurista, Distúrbio Exibicionista, Distúrbio
Frotteurista, Distúrbio do Masoquismo Sexual, Distúrbio do Sadismo Sexual, Distúrbio
Fetichista, Distúrbio Transvestico, Distúrbio Pedofilico, Outros Distúrbios
Parafílicos Especificados, Distúrbios Parafílicos não especificados.
O impulso
sexual excessivo é caracterizado pela falta de controle dos impulsos, resultando em incapacidade de resistir à
tentação de realizar atos sexuais, o que causa tensão crescente antes da
realização de tais atos, seguida de prazer, gratificação ou alivio pela
execução destes atos.1
A 10ª revisão
da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados
à Saúde (CID-10)2, define como, F52.7
Apetite sexual excessivo, e inclui ninfomania
e satiríase.
No
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª edição, texto
revisado (DSM-IV-TR)3 está destacado entre os 302.9 Transtornos Sexuais Sem Outra Especificação, a seguinte característica:
“sofrimento acerca de um padrão de relacionamentos sexuais repetidos,
envolvendo uma sucessão de parceiros sexuais sentidos pelo individuo como
coisas a serem usadas”(p.553).
Na
literatura científica é possível encontrar as seguintes denominações para o
impulso sexual excessivo: compulsão sexual, hipersexualidade, vicio sexual,
comportamento sexual compulsivo entre outros termos.
Também
são apresentados critérios para definição de compulsão sexual, sendo estes
classificados em seus aspectos, em uma sequência de fases nos episódios de
busca de sexo: a) fissura – o individuo fica absorto em pensamentos sobre sexo,
como num transe, com frequentes relatos de experiências dissociativas.
Predominam as ideias acerca de objetos sexualmente estimulantes; b)
ritualização – desenvolve uma rotina sexual com excitação
crescente;
c) gratificação sexual – torna-se incapaz de cessar o processo antes de se
satisfazer, ficando alheio a estímulos ambientais adversos que o detenham antes
da finalização do ato sexual; d) desespero – pela impotência e, muitas vezes,
pelo remorso.1
O transtorno
de identidade sexual ou transtorno
de identidade de gênero é caracterizado pelo desejo irreversível de viver e
ser aceito como pertencendo ao sexo oposto, acompanhado por sentimento
persistente de grande desconforto e de inadequação em relação ao seu próprio
sexo anatômico, causando sofrimento significativo ou prejuízo do funcionamento
social ou ocupacional ou em áreas importantes da vida do individuo.1
De acordo com
a 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10)2, este transtorno pode ser assim
classificado:
F64
Transtorno de identidade sexual
|
F64.0
Transexualismo
|
F64.1
Travestismo de duplo papel
Transtorno
de identidade sexual no adulto ou adolescente, tipo não transexual
|
F64.2
Transtorno de identidade sexual na infância
|
F64.8
Outros transtornos da identidade sexual
|
F64.9
Transtorno do papel sexual sem outra especificação
|
No
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 4ª edição, texto
revisado (DSM-IV-TR)3 este
transtorno esta assim classificado:
Transtornos da identidade de gênero
|
302.xx
Transtorno da identidade de gênero
|
302.6 Em crianças
302.85 Em
adolescentes ou adultos
|
Especificar-se (para indivíduos sexualmente maduros):
Atração sexual pelo sexo masculino
Atração sexual pelo sexo feminino
Atração sexual por ambos os sexos
Ausência de atração sexual por qualquer dos sexos
|
302.6
Transtorno da identidade de gênero sem outra especificação
|
302.9
Transtorno sexual sem outra especificação
|
No
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-V),
também ocorreram mudanças de nomenclatura em relação a este transtorno,
conforme apresentado por Zucher4: Disforia de Gênero, Outra Disforia
de Gênero Especificada e Disforia de Gênero Não-Especificada.
2. Prevalência
De acordo com Abdo1, estima-se que o transtorno de preferência sexual ocorra
em 1% da população, com predominância masculina numa proporção de 20 homens
para cada mulher, tendo início antes dos 18 anos de idade, sendo comuns três a
cinco parafilias concomitantes ou alternadas durante a vida do parafílico. O
transtorno mais relatado é a pedofilia. E os mais frequentes na literatura
médica e leiga são o exibicionismo e o voyeurismo, quando ocorrem flagrante e
apreensão.
Quanto ao impulso
sexual excessivo, de acordo com Kuzma e Black5, estima-se
que ocorra em 3% a 6% da
população adulta nos Estados Unidos, constituído por 80% masculinos
auto-identificados individualmente com comportamento de compulsão sexual, de
acordo com Kaplan e Krueger.6
De acordo com Abdo1, os dados do transtorno de identidade de gênero são
controversos. Nos Estados Unidos, com base em registros relativos ao tratamento
para redesignação sexual, estimava-se
nos anos de 1960, a relação de 1 transexual masculino para cada 30.000 homens e
1 transexual feminina para cada 100.000 mulheres. Na Europa, com base em
pesquisas conduzidas na década de 1990 e em 2003, estimava-se 1 transexual
masculino para cada 11.900 homens e 1 transexual feminina para cada 33.800
mulheres; e 1 transexual masculino para cada 12.800 homens e 1 transexual
feminina para cada 52.100 mulheres. No Brasil estima-se 1 transexual masculino
para cada 40.000 homens e 1 transexual feminina para cada 80.000 mulheres. Em
relação ao transtorno dessa natureza na infância estima-se de 1% a 2% da
população infantil, sendo de 5:1 a relação entre meninos e meninas.
3. Etiologia
De acordo com
Abdo1, os fatores etiológicos do transtorno de preferência sexual
são insuficientemente conhecidos. Há hipóteses de que pertençam ao espectro dos
transtornos obsessivo-compulsivos ou resultem de experiências sexuais precoces
com adultos ou de bloqueio/regressão no
desenvolvimento sexual.
Quanto ao impulso sexual excessivo pode decorrer
da tendência a aliviar a dor, de abuso infantil ou negligência.
Constrangimento, autoestima negativa e sentimentos de inferioridade podem
provocar relacionamentos disfuncionais que acompanhados por dor e angústia,
conduziriam à busca de algum elemento com qualidades analgésicas, originando a
compulsão (por bebidas alcoólicas, drogas, alimentos, jogo, trabalho ou sexo).
1
De acordo com Kaplan e Krueger6 a etiologia da
hipersexualidade é desconhecida. Esta pode ser neurobiológica, pois associa-se a
condições médicas como demência, onde os
danos frontal e cortical estão associados com desinibição e o lobo temporal danificado esta associado com a hipersexualidade. Também o abuso de substâncias incluindo metanfetamina e
cocaína tem sido relatados com a hipersexualidade,
bem como,
tratamentos dopaminérgicos para doença
de Parkinson.
Quanto a
etiologia do transtorno de identidade de
gênero requer mais estudos. Atualmente há duas linhas de pesquisas
organicistas que tentam explicar sua origem: a que estuda a influência dos
hormônios sexuais na diferenciação cerebral
e a que especula sobre as alterações genéticas (cromossômicas). 1
4. Abordagem
clínica
4.1 Diagnóstico
De acordo com
Abdo1, o diagnóstico para transtorno
de preferência sexual deve
investigar a presença de fantasias, anseios sexuais ou comportamentos
recorrentes intensos e sexualmente excitantes envolvendo objetos e não seres
humanos, crianças ou adultos. Deve-se considerar o tempo de duração maior que seis
meses, a presença de sofrimento e as dificuldades interpessoais decorrentes.
No diagnóstico
do impulso
sexual excessivo, causas
orgânicas devem
ser consideradas e comorbidades
tais como
depressão e ansiedade. Deve ser realizada entrevista
para compreensão clinica, considerando-se
aspectos como, a história psicossocial, a saúde mental e psiquiátrica, a história de uso de substancias e a historia medica do paciente.
Também devem ser utilizados questionários
para pesquisar a propensão para inibição ou excitação sexual e os instrumentos como as Escalas para Excitação
Sexual e para Inibição Sexual, que avaliarão o direcionamento sexual do
paciente.6 Além disso, Abdo1 afirma é necessário o
diagnóstico diferencial com transtornos de preferência sexual, pois a compulsão
sexual pode vir associada a comportamentos parafílicos.
Quanto ao transtorno de identidade de gênero é
diagnosticado conforme critérios definidos pela CID-10 e pelo DSM-IV-TR, e a
hipótese vai se consolidando ao longo do acompanhamento do paciente.
Ele é baseado no autorrelato
do paciente, através de várias entrevistas clínicas para obter informações
sobre o desenvolvimento psicossexual, a identificação de gênero, a orientação
sexual e os sentimentos sobre suas características secundárias e o papel social
de seu sexo designado. Também é necessário um mínimo de dois anos de presença
do quadro para que se possa concluir este diagnóstico.1
De
acordo com Abdo1, o tratamento para transtornos de preferência sexual baseia-se em psicoterapia
associada a medicamentos, tais como antidepressivos e neurolépticos em doses
crescentes até o controle da sintomatologia. Além disso, é essencial incentivar
a motivação do paciente para que os resultados do tratamento sejam alcançados.
Magalhães
MLC7 et al afirma que para o tratamento da pedofilia além da
psicoterapia de longa duração, existem três classes de drogas comumente
utilizadas: a) hormônios femininos, em
especial o acetato de medroxiprogesterona; b) agonistas do LHRH (hormônio
liberador de hormônio luteinizante), como a triptorelina, o acetato de
goserelina e a acetato de leuprolide; c) antiandrogênios, que bloqueiam a
captação e o metabolismo da testosterona e reduzem os níveis sanguíneos desse
hormônio, os quais têm sido muito eficazes na redução da taxa de recidiva. A
castração cirúrgica é também oferecida em algumas circunstâncias para pedófilos que costumam serem ofensores
repetitivamente.
De
acordo com Kaplan e Krueger6 sendo a hipersexualidade
um distúrbio complexo, muitos clínicos recomendam uma aproximação multifacetada para
o tratamento, incluindo
várias
modalidades, tais como, terapia cognitivo comportamental psicoterapia
psicodinâmica, tratamento psicofarmacológico, terapia individual ou em grupo e terapia de casal, as quais deverão ser realizadas
com a avaliação da necessidade especifica para cada paciente.
De
acordo com Lara et al8 o tratamento para o transtorno de identidade de gênero, especificamente do
transexualismo, no Brasil, foi autorizado pela Resolução 1.482/97 (e atualizada
pela Resolução CFM nº 1.955/2010)9, que prevê a avaliação do
paciente por equipe multidisciplinar composta por: psiquiatra, psicólogo,
assistente social, endocrinologista e cirurgião, a qual é responsável pela
formulação diagnóstica, avaliação
psiquiátrica, apoio psicológico e psicoterapia, administração/correção do uso de
hormônios, avaliações de condições
familiares e sociais, preparação para a cirurgia, ato cirúrgico e
acompanhamentos pós-operatórios (a curto e longo prazos). A terapia hormonal
(TH) deve anteceder a cirurgia de redesignação sexual, de modo a propiciar a
aquisição de caracteres sexuais secundários relativos ao sexo almejado.
Os transtornos de preferência sexual ou
parafilias, o impulso sexual excessivo e
o transtorno de identidade sexual ou transtorno de identidade de gênero
causam sofrimento significativo ou
prejuízo do funcionamento social ou ocupacional ou em áreas importantes da vida
do individuo, e é necessário que continuem a serem estudados para melhor
compreensão de sua abordagem clínica.
O
adequado diagnóstico destes quadros é extremamente importante, pois estabelece
um foco para o tratamento e interfere na qualidade de vida dos pacientes. A
cuidadosa observação e avaliação do paciente e a disponibilidade de equipe
multidisciplinar podem auxiliar na identificação da causa de muitos conflitos
psíquicos e relacionais.
O tratamento deve ser baseado na
perspectiva do paciente de acordo com suas necessidades e possibilidades. Este é baseado em psicoterapia associada a medicamentos, tais como
antidepressivos e neurolépticos, e terapia hormonal. Em alguns casos, os
medicamentos são administrados em doses crescentes até o controle da sintomatologia.
Além disso, a participação de equipe multidisciplinar composta por psiquiatra, psicólogo,
assistente social, endocrinologista e cirurgião é importante e
deve incluir várias modalidades, tais como,
terapia cognitivo comportamental psicoterapia psicodinâmica, tratamento
psicofarmacológico, terapia individual ou em grupo e terapia de casal, as
quais deverão ser realizadas com a avaliação da necessidade especifica para cada paciente. É essencial incentivar a motivação do paciente para que os
resultados do tratamento sejam alcançados.
O
profissional de saúde deve acolher o paciente estabelecendo o vínculo e a
partir de uma abordagem holística estar atento para a intervenção
psicoeducativa, indicações psicoterapêuticas ou outros procedimentos adequados nos fatores de risco, para o
estabelecimento de um tratamento eficaz deste transtornos.
6 Referências
1. Abdo
CHN. Sexualidade humana e seus transtornos. São Paulo: Casa Leitura Médica,
2010.
2.
Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação
estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. Texto
revisado (CID-10). Tradução Centro colaborador da OMS para a família
classificações internacionais em português. 10ªed. São
Paulo: Edusp, 2011.
3.
Associação Psiquiatrica Americana (APA).
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Texto revisado
(DSM-IV-TR). Tradução Cláudia Dornelles 4ª ed. Porto
Alegre: Artmed, 2002.
6.
Kaplan
MS, Krueger RB. Diagnosis, assessment, and treatment of hypersexuality. J. Sex.
Res. 2010; 47(2-3):181–198. Disponível em: <http://www.tandfonline.com
/doi/abs/10.1080/00224491003592863#.UlcXVhAvyZE>. Acesso em 10 Out. 2013.
9.
Conselho Federal de Medicina. Resolução
CFM n. 1.955, de 3 de setembro de 2010. Dispõe sobre a cirurgia de
transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1.652/02. Diário Oficial da
União, Brasília (DF) 2010 set. 3; Sec.1:109-10.
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