"...deve-se aprender a ficar concentrado em tudo o que se faz, em ouvir música, em ler um livro, em falar com uma pessoa, em ver uma paisagem. A atividade do momento presente deve ser a única coisa que importa, a que merece plena entrega. Se se está concentrado, pouco importa aquilo que se esteja fazendo; as coisas importantes, assim como as sem importância, assumem nova dimensão de realidade, porque detêm a integral atenção da pessoa. Aprender concentração, exige que se evite, tanto quanto possível, a conversação trivial, isto é, a conversação que não é genuína. Se duas pessoas falam a respeito do crescimento de uma árvore que ambas conhecem, ou do gosto do pão que acabam de comer juntas, ou acerca de uma experiência comum em seu serviço, tal conversa pode ser importante, desde que elas experimentem aquilo de que falam e não tratem disso de maneira abstraída; por outro lado, uma conversação pode tratar de assuntos de política ou religião e, contudo, ser trivial; isto acontece quando as duas pessoas falam usando lugares-comuns, quando seus corações-não estão naquilo que dizem. Poderia acrescentar aqui que tão importante quanto evitar a conversação trivial é evitar as más companhias. Por más companhias não me refiro apenas a pessoas que sejam viciadas e destruidoras; deve-se evitar a companhia destas porque sua órbita é venenosa e deprimente. Falo também da companhia dos zumbis, da gente que tem a alma morta, embora seu corpo esteja vivo; daqueles cujos pensamentos e conversas são triviais que tagarelam em vez de falar e que emitem opiniões estereotipadas em vez de pensar. Nem sempre, entretanto, é possível evitar a companhia de tal gente, e nem mesmo isso é necessário. Se não se reage de modo esperado — isto é, por “meio de lugares-comuns e trivialidades —, mas direta e humanamente, muitas vezes se verá que tais pessoas mudam seu comportamento, ajudadas pela surpresa que o choque do inesperado causou. Ficar concentrado em relação aos outros significa, antes de tudo, ser capaz de ouvir. Muitas pessoas ouvem as outras, e até dão conselhos, sem ouvir realmente. Não levam a sério o que a outra pessoa fala, nem também levam a sério suas próprias respostas. Em conseqüência, a conversação deixa-as cansadas. Têm a ilusão de que ficariam ainda mais fatigadas se ouvissem com concentração. A verdade, porém, é o oposto. Qualquer atividade, se feita de maneira concentrada, torna-nos mais despertos (embora depois sobrevenha um cansaço natural e benéfico), ao passo que qualquer atividade não concentrada nos deixa sonolentos — e ao mesmo tempo torna difícil adormecer ao fim do dia. Ficar concentrado significa viver plenamente no presente, agora, aqui, e não pensar na coisa seguinte a ser feita enquanto estou fazendo outra coisa neste instante. Desnecessário é dizer que a concentração deve ser praticada, acima de tudo, por pessoas que mutuamente se amam. Devem aprender a estar próximas uma da outra, sem fugir pelos muitos modos por que isso é costumeiramente feito. O começo da prática da concentração será difícil; parecerá que nunca se alcançará o alvo. Nem é mister dizer que isso implica a necessidade de ter paciência. Se não se sabe que tudo tem seu tempo, se se quer forçar as coisas, então, na verdade, nunca se conseguirá sucesso em ficar concentrado — nem na arte de amar. Para ter uma idéia do que é a paciência, basta que se observe uma criança aprendendo a andar. Ela cai, torna a cair, cai outra vez, e, no entanto, continua tentando, melhorando, até que um dia anda sem cair. Que não poderia o adulto realizar se tivesse a paciência da criança e sua concentração nos objetivos que lhe são de importância! Ninguém pode aprender a concentrar-se sem tornar-se sensível a si mesmo. Que significa isso? Deve alguém pensar acerca de si mesmo todo o tempo, “analisar-se”, ou o quê”? Se fôssemos falar em ser sensível a uma máquina, haveria pouca dificuldade em explicar o que isso significa. Qualquer pessoa que guie um automóvel, por exemplo, é sensível a ele. Mesmo um ruído pequeno, inabitual, é notado, como o é uma pequena alteração no arranque do motor. Do mesmo modo, o motorista é sensível às mudanças na superfície da estrada, aos movimentos dos carros atrás e à frente do seu. Contudo, ele não está pensando em todos esses fatores; sua mente está em estado de repouso alertado, aberta a todas as coisas de relevo na situação em que ele se concentra: a de guiar seu carro com segurança."
Erich Fromm - Excertos do Livro A Arte de Amar páginas 85-86.
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