Para entendermos
um povo, é preciso entender a sua cultura, e isso acontece também com as
organizações. O estudo da cultura organizacional nos permite entender o
conjunto de valores, normas e crenças que regem o comportamento das pessoas.
Por intermédio da cultura de uma organização, os colaboradores entendem quais
são os comportamentos ou as atitudes consideradas aceitas e quais são
inaceitáveis.
Algumas
definições de cultura
Em 1887, para
Edward Tylor, cultura seria: (...) todo o complexo que inclui conhecimento, as
crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e
aptidões adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
Em 1936, Ralph
Linton propôs que a cultura de qualquer sociedade consistiria: (...) na soma
total de ideias, reações emocionais condicionadas a padrões de comportamento
habitual que seus membros adquirem por meio da instrução ou imitação e de que
todos, em maior ou menor grau, participam.
Clifford Geertz,
em 1973, propõe que cultura deve ser considerada como “(...) um conjunto de
mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instituições, para governar
o comportamento”.
Laplantine,
antropólogo francês, afirma que a cultura: (...) é o conjunto dos
comportamentos, saberes e saber fazer característicos de um grupo humano ou de
uma sociedade, sendo estas atividades adquiridas através de um processo de aprendizagem,
e transmitidas ao conjunto de seus membros.
Traços comuns
entre os autores quanto à definição para cultura:
• é algo
construído e compartilhado pela maioria dos indivíduos componentes de um
determinado grupo social;
• é normalmente um
conjunto de conhecimentos e hábitos aprendidos por meio da educação e que serve
para imprimir certa padronização à conduta dos indivíduos vivendo no âmbito de
uma determinada sociedade e época, transmitindo-se e garantindo-se por meio da
aprendizagem, da repetição e da imitação;
• é como se fosse
a “alma” de um grupo social ou de uma organização, de onde derivam aspectos
observáveis, como sua estratégia, sua estrutura, seus processos e sistemas;
• formam as
“lentes” pelas quais vemos o mundo a nossa volta, moldando, em grande medida, o
nosso comportamento no mundo em que vivemos.
Cultura
organizacional
Edgar Schein (apud
FREITAS, 1991) define como:
“o
conjunto de pressupostos básicos que um dado grupo inventou, descobriu ou
desenvolveu ao aprender a lidar com problemas de adaptação externa e integração
interna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e
que, portanto, podem ser levados a novos membros como forma correta de
perceber, pensar e sentir em relação a estes problemas.”
Schein busca
respostas para questões como:
O que a cultura pode fazer?
A que funções ela serve?
Como ela se
origina, desenvolve e muda?
FREITAS (1991)
coloca que a ideia de ver organizações como culturas, nas quais há um sistema
de significado partilhado entre os membros é um fenômeno relativamente recente,
e esse é um tema pesquisado no exterior a partir da década de 50 e, no Brasil,
mais especificamente, na década de 80.
As organizações
até meados dos anos 1980 eram tidas como um meio racional pelo qual se
coordenava e controlava um grupo de pessoas. Tinham níveis verticais,
departamentos, relacionamentos de autoridade etc.
Organizações
são mais do que isso:
• têm
personalidade como os indivíduos;
• podem ser
rígidas ou flexíveis, hostis ou amigáveis, inovadoras ou conservadoras;
•
cada uma das organizações tem um sentimento e caráter únicos, além de suas
características estruturais.
É a cultura que
forma o significado das coisas, que orienta e mobiliza, é aquela energia social
que move a empresa para o sucesso ou até sua destruição.
Segundo Schein
(apud FREITAS, 1991):
• não seria
possível entender, administrar ou melhorar uma organização se não se obtivesse
uma compreensão de sua essência cultural (entender a “alma” da organização);
• a cultura
organizacional tem fortes influências no conjunto de respostas que a
organização oferece ao ambiente externo e interno, afetando enormemente sua
estratégia, sua definição estrutural, seus processos e sistemas, bem como sua
produtividade e seu desenvolvimento tecnológico;
• a cultura
organizacional ajuda e orienta os membros a adequarem-se internamente para
melhor lidar com as questões externas.
Segundo
ROBBINS (2004), a prática de diferenciar cultura forte ou fraca tornou-se cada
vez mais popular. A força da cultura pode ser definida em termos de
homogeneidade, estabilidade e intensidade das experiências compartilhadas pelos
membros da organização.
O conceito de
“forte” está ligado ao fato de que os valores essenciais da organização são intensamente
acatados e compartilhados. Uma cultura “forte” demonstra elevado nível de
concordância dos membros sobre os pontos de vista da organização.
Funções da
cultura
Segundo ROBBINS
(1999), a cultura desempenha várias funções na organização; dentre elas:
• papel de
definição de fronteiras, o que permite a distinção de uma e outra organização;
• sentido de
identidade para os membros da organização;
• facilita o
comprometimento com algo maior que os interesses individuais;
• intensifica a
estabilidade do sistema social, fornecendo padrões apropriados de comportamento
aos funcionários.
Não podemos dizer
que uma cultura é melhor do que a outra, certa ou errada. ROBBINS (1999) diz
que a cultura assume um papel importante à medida que intensifica o compromisso
organizacional e aumenta a coerência do comportamento do empregado, reduzindo a
ambiguidade. No entanto, a cultura organizacional pode servir como barreira
para se efetuarem mudanças, principalmente no que se refere a fusões e
aquisições.
Criação e
identificação da cultura organizacional
Segundo ROBBINS
(1999), a cultura organizacional começa quando os costumes, as tradições e a
maneira de fazer as coisas deram certo, ou seja, no que a organização obteve
sucesso com o que foi feito. O papel dos fundadores é fundamental, pois eles
têm uma visão geral daquilo que a organização deve ser. Eles iniciam a
organização a partir de suas crenças e de seus valores.
Para se
identificar a cultura de uma organização Deal e Kennedy (apud SCHEIN, 2001) sugerem
dois tipos de análise:
1. Dos aspectos
que podem ser vistos de fora:
• estudar o
ambiente físico: o orgulho que as organizações têm de si próprias;
• ler o que a
organização fala de sua própria cultura: os relatórios, entrevistas e
reportagens fornecem bons indícios de como a organização se vê;
• testar como a
organização recebe os estranhos: formal ou informalmente, relaxada ou ocupada
etc.;
• entrevistar as
pessoas sobre história da organização, como foi seu começo, que tipos de
pessoas trabalham na organização, crescimento, que tipo de lugar é aquele para
se trabalhar;
•
observar como as pessoas usam seu tempo e comparar o que dizem com o que fazem.
2. Dos aspectos
relacionados a questões internas:
• entender o
sistema de progressão de carreiras, o que faz um empregado ser promovido;
• como o sistema
de recompensas avalia qualificações, performances, tempo de serviço, lealdade;
• quanto tempo as
pessoas ficam em determinado cargo;
• atentar para o
conteúdo dos discursos e memorandos;
• particular
atenção deve ser dada às anedotas e histórias que circulam.
Os estudos de
cultura organizacional tem se valido de uma figura que ajuda a representar
esses dois aspectos: a do iceberg organizacional.
Essa analogia
mostra que as duas partes do iceberg (a emersa e visível e, a submersa e
invisível) podem ser associadas à cultura da organização.
A parte visível,
que fica acima do nível da água pode ser associada aos aspectos formais,
racionais e abetos da organização.
A parte invisível,
que fica submersa pode ser associada aos aspectos informais e ocultos da
organização. Este é o “território” do comportamento organizacional.
Desenvolvimento da
cultura
Para SCHEIN (2001), a cultura é aprendida basicamente por meio de
dois mecanismos interativos: o da redução da dor e ansiedade e o do reforço
positivo.
Redução da dor e ansiedade (modelo de
trauma social):
• ansiedade é derivada:
- da incerteza que um indivíduo tem ao encontrar um grupo novo;
- incerteza sobre sua capacidade de sobreviver e ser produtivo;
- incerteza se os membros trabalharão bem uns com os outros;
• as crises conduzem o grupo a perceber, compartilhar e
desenvolver formas de lidar com ela;
• os membros do grupo aprendem a superar o desconforto imediato e
a evitar desconfortos futuros;
• quando outras crises surgirem, a tendência será reduzir ou
eliminar a ansiedade gerada da maneira como eles aprenderam anteriormente.
Reforço positivo:
• as pessoas repetem o que funciona e abandonam o que não
funciona.
Manutenção da cultura
Segundo KILMANN, as culturas se mantêm principalmente por três
causas:
• a energia controladora do comportamento existente em todos os
níveis organizacionais, a força que faz cada membro acreditar que o que ele
está fazendo é o melhor para a organização, para a comunidade e suas famílias;
• as regras não escritas que estão incorporadas na organização,
uma vez que exista consenso de elas representarem o comportamento apropriado;
• o papel dos grupos na observação dessas normas, na sua
reprodução e no trato dispensado aos desviantes.
Alguns elementos da cultura
A cultura organizacional é concebida a partir de seus elementos
constitutivos. FREITAS (1991) ressalta que a descrição dos elementos que
constituem a cultura organizacional, a forma como eles funcionam e, ainda, as
mudanças comportamentais que eles provocam são maneiras de dar à cultura um
tratamento mais concreto ou de mais fácil identificação. Os elementos mais
encontrados, segundo a literatura consultada, são:
Valores:
• são as noções compartilhadas que as pessoas têm do que é
importante e acessível para o grupo a que pertencem;
• formam o coração da cultura, definem o sucesso em termos
concretos para os empregados e estabelecem os padrões a serem alcançados;
• explicitam para a organização o que é considerado importante ou
irrelevante, prioritário ou desprezível; • representam a essência da filosofia
da organização para atingir o sucesso, pois eles fornecem um senso de direção
comum para todos os empregados e um guia para o comportamento
diário.
Crenças:
• é a compreensão
que se dá como certa e que serve de base para o entendimento das coisas;
• aquilo que é
tido como verdade na organização.
Pressupostos:
• são conjecturas
antecipadas ou respostas prévias sobre o que é, o que se faz, o que acontece;
• é uma solução
pronta, disponível e até certo ponto inquestionável pelo grupo.
Normas:
• as normas dizem
sobre como as pessoas devem se comportar e se baseiam ou refletem as crenças e
os valores organizacionais.
Ritos, rituais
e cerimônias:
• conjunto
planejado de atividades relativamente elaborado, combinando várias formas de
pressão cultural, as quais têm consequências práticas e expressivas;
• ao desempenhar
um rito, as pessoas se expressam através de diversos símbolos: certos gestos, linguagem
e comportamentos.
Ritos
organizacionais mais comuns:
• ritos de
passagem: o processo de introdução ou retreinamento de pessoal;
• ritos de
degradação: usados para dissolver identidades sociais e retirar seu poder, como
nos casos de demissão, afastamento de um alto executivo, “encostar alguém”,
denunciar falhas/incompetências publicamente;
• ritos de
reforço: celebração pública de resultados positivos;
• ritos de
renovação: visa renovar as estruturas sociais e aperfeiçoar seu funcionamento,
como programas de desenvolvimento organizacional, assistência aos empregados;
• ritos de redução
de conflitos: usados para restaurar o equilíbrio em relações sociais
perturbadas, reduzindo os níveis de conflitos e agressão, como nos processos de
negociação coletiva;
• ritos de
integração: recarregar e reviver sentimentos comuns e manter as pessoas
comprometidas com o sistema social; comumente usados nas festas de Natal,
jogos, rodadas de cerveja.
Estórias e
mitos:
• histórias:
narrativas baseadas em eventos ocorridos que informam sobre a organização,
reforçam o comportamento existente e enfatizam como esse comportamento se
ajusta ao ambiente organizacional;
• mitos:
referem-se a histórias consistentes com os valores da organização, porém não
sustentadas pelos fatos.
Heróis:
• os heróis
personificam os valores e condensam a força da organização.
Função dos heróis:
• tornam o sucesso atingível e humano; outros membros podem seguir seu
exemplo;
• estabelecem padrões de desempenho;
• motivam os
empregados, fornecendo uma influência duradoura.
Comunicação:
• as
organizações são vistas como fenômeno de comunicação, sem o qual inexistiriam.
O processo inerente às organizações cria uma cultura, revelando suas atividades
comunicativas.
Tipos de agentes
de comunicação numa organização em que os papéis informais entram em ação:
• contadores de
histórias: interpretam o que ocorre na organização, ajustando os fatos à sua
percepção;
• padres:
guardiões dos valores culturais;
• confidentes:
detentores do poder por trás do trono;
• fofoqueiros:
falam com nomes, datas etc.;
• espiões: leais à
chefia, mantêm seus chefes informados;
• conspiradores:
duas ou mais pessoas se reúnem para tramar algo.
Papel da área de gestão de pessoas
De acordo com
FREITAS (1991), a área de gestão de pessoas nas organizações é “a guardiã da
cultura” e tem o papel fundamental de disseminar, promover, manter e
implementar mudanças culturais definindo, nos processos de seleção, perfis
compatíveis com os valores organizacionais, elaborando sistemas que contemplem
a competência e a lealdade, promovendo eventos que destaquem o comportamento
esperado, veiculando histórias que reforcem os valores da organização,
estabelecendo meios de comunicação que permitam a interpretação adequada das
mensagens institucionais, monitorando os programas de socialização, recuperando
os transgressores, dentre outros.
Segundo DUBRIN
(2003), a cultura organizacional pode causar um impacto penetrante na eficácia
da organização. Ele aponta seis principais consequências e implicações da
cultura:
• Vantagem
competitiva e sucesso financeiro: pesquisas apontam que as empresas nas
quais os empregados percebiam a existência de uma ligação entre os esforços
individuais e as metas da organização demonstraram maior retorno de
investimentos.
• Produtividade,
qualidade e moral: uma cultura que enfatiza a produtividade e a qualidade
encoraja os trabalhadores a serem produtivos.
• Inovação:
da mesma forma, uma organização que encoraja a criatividade e a tomada de
decisão estará contribuindo para a inovação.
• Compatibilidade
de fusões e aquisições: um indicador de sucesso em fusões e aquisições é a
compatibilidade de suas respectivas culturas.
• Ajuste
pessoa/organização: um ponto fundamental para o sucesso tanto do indivíduo
quanto da organização é o ajuste dos valores individuais e da organização.
• Direção
da atividade de liderança: a cultura organizacional diz o modo como
liderar.
Mudança cultural
Na vida, temos duas certezas: a primeira é a de que todos nós
vamos morrer um dia, e a segunda é a de que tudo muda a todo instante.
As organizações sofrem influências dos ambientes interno e externo
continuamente e precisam identificar mecanismos para o gerenciamento das
mudanças que ocorrem no dia a dia.
Segundo GRIFFIN E MOORHEAD (2006), quando os gestores tentam
modificar a cultura organizacional, estão, na verdade, procurando alterar as
noções básicas das pessoas sobre o que é ou não um comportamento adequado na
empresa.
Conforme visto no iceberg organizacional, a mudança
cultural na organização envolve as duas partes da mesma: a mais visível ou
racional e a invisível, a afetiva.
Na verdade, qualquer mudança que se pretenda fazer na cultura da
organização vai exigir um grande esforço sobre a parte invisível do iceberg,
onde se encontram os valores, crenças, relações afetivas, etc..
Nenhuma mudança se efetivará se essa parte informal e oculta da
cultura não for trabalhada adequadamente (recordando: este é o “território”
do comportamento organizacional).
Esses mesmos autores dizem que, para se efetuar mudanças
culturais, os gestores devem criar situações que permitam a introdução de novas
histórias. Eles dão como exemplo uma empresa em que a opinião do funcionário
não tinha importância e a partir de agora passa a ter; nesse caso, os gestores
podem, por exemplo, solicitar a um funcionário para liderar uma discussão numa
reunião, acompanhar e orientar esse processo, de forma que seja um sucesso.
Isso se transformará em uma nova história que poderá substituir a antiga.
Mas os autores alertam que esse é um processo longo e difícil,
pois, não importa quanto se dediquem à implementação de um valor novo, podem,
inadvertidamente, voltar aos padrões antigos de comportamento. Tal fato irá
gerar uma nova história com retorno aos antigos valores.
Para que a nova cultura se torne estável, faz-se necessário um
período de transição, no qual são realizados esforços para adoção de novos
valores e, em longo prazo, esses novos valores serão tão estáveis e influentes
quanto os antigos.
De acordo com MARRAS (2009, P.314-315) as principais técnicas para
trabalhar mudanças organizacionais são:
Empowerment:
ampliar ao máximo o sistema decisório, provendo autonomia às equipes.
trabalho em equipe: buscando envolvimento e compromisso das pessoas, pelo
compartilhamento conjunto de responsabilidades.
qualidade total: fazer da alta qualidade uma norma. Busca da excelência.
estruturas organizacionais: criar novos modelos de organização mais enxutos,
flexíveis e participativos.
aprendizagem organizacional: busca de reeducação e atualização
constantes, com o uso intensivo do benchmarking.
É
fundamental entendermos a cultura organizacional nos processos de mudança, pois
sem mudança cultural não haverá mudança organizacional adequada. A mesma
cultura que leva uma organização ao sucesso pode gerar resistências e
dificultar para essa organização os seus necessários processos de mudança.
REFERÊNCIAS
FREITAS, M. E. Cultura
organizacional: identidade, sedução e carisma. Rio de Janeiro, FGV, 1991.
GRIFFIN, R. W.;
MOORHEAD, G. Fundamentos do comportamento organizacional. São Paulo,
Ática, 2006.
ROBBINS, S. P. Comportamento
organizacional. 8. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999.
ROBBINS, S. P. Fundamentos
do comportamento organizacional. 7. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2004.
SCHEIN, E. H. Por
que a cultura corporativa importa? In Guia de sobrevivência da cultura
corporativa. Rio de Janeiro, José Olympio, 2001.
Texto escrito pelo Prof. José Benedito Regina Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Administração Geral UNIP
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