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AUTISMO E SEXUALIDADE: ORIENTAÇÕES PARA EDUCAÇÃO SEXUAL DE ADOLESCENTES AUTISTAS.

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VYGOTSKI: APRENDIZADO E DESENVOLVIMENTO. UM PROCESSO SÓCIO-HISTÓRICO.

APRESENTAÇÃO

O relatório de leitura apresenta o registro dos principais conceitos da teoria de Lev Semyonovitch Vygotsky e sua abordagem sócio-interacionista do desenvolvimento e aprendizagem.

A elaboração deste relatório foi possível, a partir das leituras dos livros: Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento. Um Processo Sócio-Histórico, de Marta Kohl de Oliveira e A Formação Social da Mente, de Lev Semyonovitch Vygotsky.

INTRODUÇÃO


Lev Semyonovitch Vygotsky, iniciou sua carreira como psicólogo após a Revolução Russa de 1917. As condições da sociedade e da psicologia na Rússia pós-revolucionária eram fonte dos problemas imediatos com os quais Vygostky se defrontava e fonte de inspiração para que ele desenvolvesse uma teoria marxista do funcionamento intelectual humano.
As condições da psicologia européia forneceram o cenário inicial para as suas teorias. Até a segunda metade do século XIX, o estudo da natureza humana era um atributo da filosofia. Os seguidores de Jonh Locke enfatizavam a origem das idéias a partir de sensações produzidas por estimulação ambiental, mas o maior problema da análise psicológica para estes, era descrever as leis de associação pelas quais sensações simples combinavam-se para produzir idéias complexas. Os seguidores de Immanuel Kant afirmavam que idéias de espaço e tempo e conceitos de quantidade, qualidade e relação originavam-se na mente humana e não poderiam ser decompostas em elementos mais simples. Ambos os grupos mantinham-se irredutíveis em suas posições e desenvolviam-se tendo como pressuposto, a partir dos trabalhos de René Descartes, que o estudo científico do homem deveria restringir-se ao seu corpo físico, cabendo à filosofia o estudo de sua alma.
Apesar do conflito entre essas abordagens, os termos dessa discussão, foram mudados irrevogavelmente após a publicação quase simultânea de três livros: A Origem das Espécies, de Darwin, Die Psychophysik, de Gustav Fechner e Reflexos do Cérebro, de I. M. Sechenov. Estes livros podem ser vistos como constituintes essenciais do pensamento psicológico do final do século XIX. Nenhum desses autores se considerava psicólogo, mas eles forneceram as questões centrais que preocupariam a psicologia, na segunda metade do século. Várias escolas de psicologia se propuseram a responder as questões centrais formuladas, na época, contribuindo com respostas parciais dentro de perspectivas teóricas limitadas.
A primeira escola de psicologia fundada por Wilhelm Wundt, em 1860, voltava-se à descrição do conteúdo da consciência humana e sua relação com a estimulação externa. Wundt propôs explicitamente, que as funções mentais complexas, os “processos psicológicos superiores” não poderiam, em principio ser estudadas pelos psicólogos experimentais, e que só poderiam ser pesquisadas através de estudos históricos dos produtos culturais tais como as lendas, costumes e linguagem.
Por volta do começo da Primeira Guerra Mundial, os estudos introspectivos dos processos conscientes humanos sofreram ataques vindos de psicólogos dos Estados Unidos e da Rússia, que descontentes com as controvérsias em torno das descrições introspectivas corretas das sensações, e com a conseqüente esterilidade da pesquisa resultante, renunciaram ao estudo da consciência em prol do estudo do comportamento. A estratégia básica das correntes psicológicas que estudavam o comportamento consistia em identificar as unidades da atividade humana e então especificar as regras pelas quais esses elementos se combinam para produzir fenômenos mais complexos. Essa estratégia concentrou-se naqueles processos psicológicos compartilhados tanto por animais quanto por seres humanos, relegando os processos psicológicos superiores – pensamento, linguagem e comportamento volitivo. Já os psicólogos gestaltistas se contrapunham a um ponto: a validade de se analisar os processos psicológicos em seus constituintes básicos. A psicologia da Gestalt demonstrou que muitos fenômenos intelectuais e fenômenos perceptuais não poderiam ser explicados pela postulação de elementos básicos da consciência nem pelas teorias comportamentais baseadas na unidade estímulo-resposta. Os gestaltistas rejeitavam a possibilidade de através de processos psicológicos simples, explicar os processos mais complexos. Este era o cenário da psicologia européia quando então, surge Vygotsky.
Nas primeiras décadas do século XX, a psicologia na Rússia, assim como na Europa, movia-se entre escolas antagônicas.
Em 1923, no primeiro congresso soviético de neuropsicologia, inicia-se a primeira grande mudança intelectual e organizacional na psicologia após a revolução. Nessa época dois nomes se destacavam: G.I. Chelpanov, um adepto da psicologia introspectiva de Wundt e opositor de behaviorismo, que atribuía um papel restrito ao marxismo na psicologia, aceitando que essa teoria poderia ajudar a explicar a organização social da consciência, mas não as propriedades da consciência individual e K. N. Kornilov com sua abordagem reatológica, que procurava submeter todos os ramos da psicologia a uma estrutura marxista, usando as reações comportamentais como os elementos básicos. Kornilov formou uma equipe de jovens cientistas dedicados à formulação e implementação de uma teoria da psicologia comportamental e marxista. Surge então, Vygotsky que começava a divergir da autoridade recentemente estabelecida, pois deixou claro que nenhuma das escolas de psicologia existentes fornecia as bases firmes necessárias para o estabelecimento de uma teoria unificada dos processos psicológicos humanos, mas ele se referia com freqüência à “crise na psicologia”, impondo-se a tarefa de formular uma síntese das concepções antagônicas em bases teóricas completamente novas. Vygotski procurava uma abordagem abrangente que possibilitasse a descrição e a explicação das funções psicológicas superiores, em termos aceitáveis para as ciências naturais. A maior razão para a relevância permanente do seu trabalho está no fato de que, em 1924 e na década subseqüente, ele se dedicou à construção de uma crítica penetrante à noção de que a compreensão de funções psicológicas superiores humanas poderia ser atingida pela multiplicação e compilação dos princípios derivados da psicologia animal, em particular aqueles princípios que representam uma combinação mecânica das leis tipo estímulo-resposta, e ao mesmo tempo, ele produziu uma crítica devastadora das teorias que afirmam que as propriedades das funções intelectuais do adulto são resultados unicamente da maturação, ou estão de alguma maneira pré-formadas na criança, esperando simplesmente a oportunidade de se manifestarem.
Vygotsky seguia a linha dos influentes sociólogos franceses, ao enfatizar as origens sociais da linguagem e do pensamento. Ele foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa e tornou-se um dos primeiros defensores da associação da psicologia cognitiva experimental com a neurologia e a fisiologia. Ele lança as bases para uma ciência comportamental unificada, ao propor que tudo isso deveria ser entendido à luz da teoria marxista da história da sociedade humana.

1.HISTÓRIA PESSOAL E INTELECTUAL

Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu na cidade de Orsha, próxima a Minsk, capital Bielarus, em 05 de novembro de 1896. Formou-se em Direito pela Universidade de Moscou, em 1917 e estudou Medicina em Moscou e Kharkov. Foi professor e pesquisador nas áreas de psicologia, pedagogia, filosofia, literatura, deficiência física e mental e trabalhou na área chamada pedologia (ciência da criança que integra os aspectos biológicos, psicológicos e antropológicos). Criou o laboratório de psicologia na escola de formação de professores de Gomel e participou da criação do Instituto de Deficiências, em Moscou. Fundou uma editora e a revista literária Verask. Casou-se em 1924 com Rosa Simekhova com quem teve duas filhas. Desde 1920 conviveu com a tuberculose morrendo em 1934, aos 37 anos.

Sua produção escrita não chegou a constituir um sistema explicativo completo e articulado, que possibilitasse extrair uma “teoria Vygotskiana” bem estruturada, mas seus textos jovens, escritos com entusiasmo e pressa, eram repletos de idéias fecundadas que precisaram ser canalizadas num programa de trabalho a longo prazo para serem explorados em toda sua riqueza. Este trabalho existiu e foi multiplicado e desenvolvido na obra de seus colaboradores, entre os quais foram: Alexander Romanovich Luria e Alexei Nikolaievich Leontiev.

Vygotsky e seus colaboradores (Luria e Leontiev) buscavam uma abordagem alternativa, que possibilitasse uma síntese entre as duas abordagens predominantes naquele momento, a Psicologia como ciência natural, que procurava explicar processos elementares sensoriais e reflexos, tomando o homem basicamente como corpo e a Psicologia como ciência mental que descrevia as propriedades dos processos psicológicos superiores, tomando o homem como mente, consciência, espírito mais próxima da filosofia e das ciências humanas, com uma abordagem descritiva, subjetiva e dirigida a fenômenos globais, sem preocupação com a análise desses fenômenos em componentes mais simples. Ele propôs em sua abordagem, integrar numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, membro da espécie humana e participante de um processo histórico, ser biológico e ser social.

Vygotsky dedicou-se ao estudo de funções psicológicas superiores ou processos mentais superiores, e deixou explicito as seguintes idéias centrais, pilares básicos de seu pensamento:

(I) As funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral. O homem, enquanto espécie biológica possui uma existência material que define limites e possibilidade para o seu desenvolvimento;

(II) O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais desenvolvem-se num processo histórico. O homem transforma-se de biológico em sócio-histórico, num processo em que a cultura é parte essencial da constituição da natureza humana. O funcionamento psicológico está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real.

(III) A relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos e estes são os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo.

2.A MEDIAÇÃO SIMBÓLICA

O conceito de mediação é central para compreender o fundamento sócio-histórico do funcionamento psicológico. A presença de elementos mediadores introduz um elo a mais nas relações individuo e meio, tornando-as mais complexas. Vygotsky distinguiu dois tipos de mediadores: os instrumentos e os signos. O instrumento é um elemento social e mediador entre o individuo e o mundo, que amplia as possibilidades de conhecer, controlar e transformar a natureza. Ele é feito ou buscado especialmente para um certo objetivo.

O signo por sua vez, age como instrumento da atividade psicológica e não nas ações concretas, e são chamados por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”. Estes são orientados para o próprio sujeito e dirigem-se ao controle de ações psicológicas, do próprio individuo ou de outras pessoas. Em sua forma elementar, o signo é uma marca externa que auxilia o homem nas tarefas que exigem memória ou atenção. Eles são interpretáveis como representação da realidade e podem referir-se a elementos ausentes do espaço e do tempo presentes.

A mediação é um processo essencial para tornar possível, atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio indivíduo. Ao longo da evolução da espécie humana e do desenvolvimento de cada indivíduo, ocorrem, entretanto, duas mudanças qualitativas fundamentais no uso dos signos. Por um lado, a utilização de marcas externas vai se transformar em processos internos de mediação; esse mecanismo é chamado por Vygotsky de processo de internalização. Por outro lado, são desenvolvidos sistemas simbólicos, que organizam os signos em estruturas complexas e articuladas.

Ao longo do processo de desenvolvimento, o indivíduo deixa de necessitar de marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto é, representações mentais que substituímos objetos do mundo real. Essa capacidade de lidar com representações é que possibilita ao homem libertar-se do espaço e do tempo presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, fazer planos e ter intenções.

Os signos passam a ser compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social, permitindo a comunicação entre os indivíduos, o aprimoramento da interação social e construção de sistemas de signos, o qual consistirá numa espécie de “código” para decifração do mundo. É o grupo cultural onde o individuo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, as quais vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o individuo e o mundo.

Esses sistemas de representação da realidade consistem numa espécie de “filtro” através do qual o homem será capaz de ver o mundo e operar sobre ele. Quando Vygotsky fala em cultura, refere-se a todos os elementos carregados de significado. A cultura é pensada por ele como uma espécie de “palco de negociações”, em que seus membros estão num constante movimento de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados. A vida social é um processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo e onde acontece a interação entre o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um.

Neste sentido, e novamente associado a sua filiação marxista, Vygotsky postula a interação entre vários planos históricos: a história da espécie (filogênese), a história do grupo cultural, a história do organismo individual da espécie (ontogênese) e a seqüência singular de processos e experiências vividas por cada indivíduo.

O processo de desenvolvimento do ser humano ocorre “de fora para dentro”. Primeiro o indivíduo realiza ações externas que serão interpretadas pelas pessoas ao seu redor. A partir dessa interpretação é que será possível o individuo atribuir significados a suas próprias ações e desenvolver processos psicológicos internos. Para Vygotsky, o fundamento do funcionamento psicológico tipicamente humano é social e, portanto, histórico.

3. PENSAMENTO E LINGUAGEM

A linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, a questão do desenvolvimento da linguagem e suas relações com o pensamento ocupa lugar central na obra de Vygotsky. Ele trabalha com duas funções básicas da linguagem. A principal função é a de intercâmbio social: é para se comunicar com seus semelhantes que o homem cria e utiliza os sistemas de linguagem. É a necessidade de comunicação que impulsiona, inicialmente o desenvolvimento da linguagem. A segunda função da linguagem: é a de pensamento generalizante. A linguagem ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual. É essa função generalizante que torna a linguagem um instrumento de pensamento: a linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento. Vygotsky considerou dois processos como precursores do pensamento e da linguagem humana: Fase pré-verbal (desenvolvimento de pensamento) e fase pré-intelectual (desenvolvimento de linguagem).

O que define a fase pré-verbal do desenvolvimento do pensamento e a inteligência prática, capacidade de solução de problemas e de alteração do ambiente para obtenção de determinados fins, independente da linguagem. O uso da linguagem (sons, gestos) é pré-intelectual no sentido de que ela não tem ainda função de signo, funciona como meio de expressão emocional e de comunicação difusa com os outros. A trajetória do pensamento desvinculado da linguagem e a trajetória de linguagem independente do pensamento se unem e o pensamento se torna verbal e a linguagem racional.

O surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de signos é um momento crucial no desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico transforma-se no sócio-histórico. Antes de dominar a linguagem, a criança demonstra capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos e meios indiretos pra conseguir determinados objetivos. Por volta dos dois anos, o percurso do pensamento encontra-se com o da linguagem e inicia-se uma nova forma de funcionamento psicológico: a fala torna-se intelectual, com função simbólica, generalizante e o pensamento torna-se verbal, mediado por significados dados pela linguagem.

O significado é um componente essencial da palavra e é um ato de pensamento, pois o significado de uma palavra já é em si uma generalização. No significado da palavra é que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. É no significado que se encontra a unidade das duas funções básicas da linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante.

São os significados que vão propiciar a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo real, constituindo-se no filtro através do qual o individuo é capaz de compreender o mundo e agir sobre ele. O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento. Podemos considerar o significado como um fenômeno do pensamento.

Vygotsky distingue dois componentes do significado da palavra: o significado propriamente dito e o “sentido”. O significado propriamente dito refere-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, consistindo num núcleo relativamente estável de compreensão da palavra, compartilhado por todas as pessoas que a utilizam. O sentido, por sua vez, refere-se ao significado da palavra para cada individuo, composto por relações que dizem respeito ao contexto de uso da palavra e às vivências afetivas do indivíduo. A experiência individual é sempre mais completa do que a generalização contida nos signos. A generalização e a abstração só se dão pela linguagem.

O individuo desenvolve gradualmente, o chamado “discurso interior” que é uma forma interna de linguagem, dirigida ao próprio sujeito e não a um interlocutor externo. É um discurso sem vocalização, voltado para o pensamento, com a função de auxiliar o individuo nas suas operações psicológicas. Um diálogo consigo próprio, constitui-se uma espécie de “dialeto pessoal”. É fragmentado, abreviado, contendo quase só núcleos de significado e não todas as palavras usadas num diálogo com outros. A internalização do discurso é um processo gradual, que se completará em fases mais avançadas da aquisição da linguagem. A fala egocêntrica acompanha a atividade da criança, começando a ter função pessoal, ligada às necessidades do pensamento. A criança fala alto para si mesma, independentemente da presença de um interlocutor. Esta fala, é utilizada como apoio ao planejamento de seqüências a serem seguidas, como auxiliar na solução de problemas.

Para Vygotsky, o surgimento da fala egocêntrica, com essa função claramente associada ao pensamento, indica que a trajetória da criança vai dos processos socializados para os processos internos. Ao tomar posse da linguagem, inicialmente utilizada apenas com a função de comunicação, a criança passa a ser capaz de utilizá-la como instrumento (interno, intrapsíquico) de pensamento. Como esse processo é gradual, a fala egocêntrica aparece como um procedimento de transição, no qual o discurso já tem a função que terá como discurso interior, mas ainda tem a forma da fala socializada, externa.

A questão da fala egocêntrica é o ponto mais explicito de divergência entre Vygotsky e Piaget. Para Piaget a função da fala egocêntrica seria uma transição entre estados mentais individuais não verbais, de um lado, e o discurso socializado e o pensamento lógico, de outro. Piaget postula uma trajetória “de dentro para fora”, enquanto Vygotsky considera que o percurso é de “fora para dentro” do individuo. O discurso egocêntrico é portanto, tomado como transição entre processos diferentes para cada um desses teóricos. Tanto o aspecto interior da fala – semântico e significativo – quanto o exterior – fonético -, embora formem uma verdadeira unidade, têm as suas próprias leis de movimento.

4. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZADO

Vygotsky não chegou a formular uma concepção estruturada do desenvolvimento humano. Ele não nos oferece uma interpretação completa do percurso psicológico do ser humano, mas reflexões e dados de pesquisa sobre vários aspectos do desenvolvimento. Ele enfatiza a importância dos processos de aprendizado. É este que possibilita o despertar de processos internos de desenvolvimento que, não fosse o contato do individuo com certo ambiente cultural, não ocorreriam. O desenvolvimento fica impedido de ocorrer na falta de situações propícias ao aprendizado.

Vygotsky denomina a capacidade de realizar tarefas de forma independente de nível de desenvolvimento real e caracteriza o desenvolvimento de forma retrospectiva, em etapas já alcançadas, já conquistadas pelo individuo. Para compreendermos adequadamente o desenvolvimento devemos considerar não apenas o nível de desenvolvimento real da criança, mas também seu nível de desenvolvimento potencial, sua capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes. Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é fundamental na sua teoria, porque representa, um momento do desenvolvimento: não é qualquer indivíduo que pode, a partir da ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. A idéia de nível de desenvolvimento potencial capta, um momento do desenvolvimento que caracteriza não as etapas já alcançadas, mas etapas posteriores, nas quais a interferência de outras pessoas afeta significativamente o resultado da ação individual.

Ele atribui importância extrema à interação social no processo de construção das funções psicológicas humanas. É a partir da postulação da existência desses dois níveis de desenvolvimento – real e potencial que ele define a zona de desenvolvimento proximal, como a distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Ela refere-se ao caminho que o individuo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. É na zona de desenvolvimento proximal que a interferência de outros indivíduos é a mais transformadora.

A escola tem um papel essencial na construção do ser psicológico adulto dos indivíduos que vivem em sociedades escolarizadas, e este só se dará adequadamente, quando a escola dirigir o ensino para estágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos, funcionando como motor de novas conquistas psicológicas. O processo de ensino-aprendizado na escola deve ser construído, tomando como ponto de partida o nível de desenvolvimento real da criança. O percurso a ser seguido nesse processo estará balizado pelas possibilidades do nível de desenvolvimento potencial das crianças.

O objetivo de Vygotsky é trabalhar com a importância do meio cultural e das relações entre os indivíduos na definição de um percurso de desenvolvimento da pessoa humana, e não propor uma pedagogia diretiva, autoritária. Ele trabalha com a idéia de reconstrução, de reelaboração, por parte do indivíduo, dos significados que lhe são transmitidos pelo grupo cultural.

Vygotsky trabalha também com um outro domínio da atividade infantil: o brinquedo, que também cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança, tendo enorme influência em seu desenvolvimento. A brincadeira de “faz-de-conta” é privilegiada em sua discussão sobre o papel do brinquedo no desenvolvimento, pois a criança é levada a agir num mundo imaginário, onde a situação é definida pelo significado estabelecido pela brincadeira e não pelos elementos reais do concretamente presentes, e também, é uma atividade regida por regras, pois faz com que a acriança se comporte de forma mais avançada do aquela habitual para sua idade. No brinquedo a criança comporta-se de forma mais avançada do que nas atividades da vida real e também aprende a separar objeto e significado. A escola e a pré-escola poderiam utilizar deliberadamente das brincadeiras para atuar no processo de desenvolvimento das crianças.

A questão da evolução da escrita na criança é bastante importante no conjunto de colocações de Vygotsky. Ele tem uma abordagem genética da escrita: preocupa-se com o processo de sua aquisição, o qual se inicia muito antes da entrada da criança na escola e se estende por muitos anos. Considera, que para compreender o desenvolvimento da escrita na criança é necessário estudar o que ele chama de “a pré-história da linguagem escrita”, isto é, o que se passa com a criança antes de ser submetida a processos deliberados de alfabetização. A principal condição necessária para que uma criança seja capaz de compreender adequadamente o funcionamento da língua escrita é que ela descubra que a língua escrita é um sistema de signos que não tem significado em si, e que funcionam como um suporte para a memória e a transmissão de idéias e conceitos.

Na concepção que Vygotsky tem do ser humano, a inserção do individuo num determinado ambiente cultural é parte essencial de sua própria constituição enquanto pessoa. O aprendizado é o processo fundamental para a construção do ser humano e isto envolve a interferência direta ou indireta de outros indivíduos e a reconstrução pessoal da experiência e dos significados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho possibilitou a organização dos textos pesquisados e a seleção dos dados mais importantes desses textos. Além disso, contribuiu para o desenvolvimento de habilidades necessárias ao estudo e a assimilação da concepção epistemológica e psicológica da teoria do desenvolvimento de Vygotsky e o contexto histórico-cultural onde esta se inscreve.

BIBLIOGRAFIA

OLIVEIRA, M. K. - Vygotsky: Aprendizado E Desenvolvimento. Um Processo Sócio-Histórico. São Paulo: Scipione, 1993.

VYGOTSKY, L. S. - A Formação Social Da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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