"Ao atravessar o rio e entregar-se completamente nu ao domínio da margem à frente, ela acaba de aprender uma coisa mestiça. O outro lado, os novos costumes, uma língua estrangeira, é claro. Mas, acima disso, acaba de aprender a aprendizagem nesse meio branco que não tem sentido para encontrar todos os sentidos. No ápice do crânio, em turbilhão, se atarraxa o redemoinho da cabeleira, lugar-meio onde se integram todas as direções.
Universal significa: aquilo que, embora sendo único, verte em todos os sentidos. O infinito entra no corpo de quem, por muito tempo, atravessa um rio perigoso e largo o bastante para oferecer essas paragens distantes onde, seja qual for a direção que se adote ou se decida, a referência permanece indiferentemente afastada. Então, o solitário, vagando sem pertencer a nada, tudo pode receber e integrar: todos os sentidos se equivalem. Terá atravessado a totalidade do concreto para entrar em abstração?
Perceberão os mestres que só ensinaram, no sentido pleno, aqueles aos quais contrariaram, ou melhor, completaram, aqueles que obrigaram a atravessar?
De fato, nada aprendi sem que tenha partido, nem ensinei ninguém sem convidá-lo a deixar o ninho.
Partir exige um dilaceramento que arranca uma parte do corpo à parte que permance aderente à margem do nascimento, à vizinhança do parentesco, à casa, à aldeia dos usuários, à cultura da língua e à rigidez dos hábitos. Quem não se mexe nada aprende.
MICHEL SERRES, FILOSOFIA MESTIÇA, p. 14, 1992.
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